sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Doa-se um coração


Doa-se um coração. 

Não se trata de uma vitrine de corações usados, eles não estão à venda, estão para doação. 

Temos corações de todos os tamanhos, alguns grandes, outros pequenos. Alguns passam por aperto, outros acabam cedendo com o tempo. Caso você decida levá-los para casa, aviso que alguns estão aos trapos, com buraquinhos visíveis e vão precisar de remendos. 

Outros estão desgastados, usados e precisam de cuidados especiais. Alguns foram abandonados na praça, em uma rua deserta, deixados expostos ao frio e a chuva. 

Outros, cansados de apanhar e não bater, fugiram dos maus tratos diários. Vários são relíquias, corações de grande valor e de preço inestimável. Alguns, mesmo não usados, estão reservados, esquecidos no armário. 

Outros foram desdenhados, como quando ganhamos calcinhas e meias de aniversario. Alguns não são tão bonitos por fora, mas por dentro guardam uma beleza inigualável, são confortáveis e servem perfeitamente. 

E têm aqueles que são de encher os olhos, de receber varias curtidas nas redes sociais, parecem perfeitos, mas você corre o risco de dividi-lo com varias. Esses corações tende a dar problema e, provavelmente, você terá que devolvê-los. 

Um coração é perfeito em qualquer estação. Atemporal, é um coringa, fica bem em todo mundo e não tem restrições de uso. 

Se você curte ditar a própria moda, customize. E se enjoar, desapegue, com certeza, ele ficará incrível em outra pessoa.

E quando chegar a vez do seu coração ser escolhido, não tenha medo de servir em alguém.

Por Francieli Rech

terça-feira, 16 de setembro de 2014

O dia em que ela deixou de lhe querer.



Cara, sinto muito, desiste.

Ela não lembra mais quando foi a última vez. Ontem vi que ela jogou fora aquelas caixas de lembranças que ela teimava em guardar, caso necessitasse lembrar algum detalhe que lhe parecesse duvidoso. Um dia essa hora iria chegar – demorou, quase apodreceu – e chegou.

Não sofre – sei que não vai – mas ela cansou de esperar igual a Cláudia, que sentou ali até criar raízes e se sentir parte da mobilha velha daquela sala (com pouca iluminação e cheiro de mofo).

Ela descobriu hoje, aos 45 do segundo tempo, quando completou um quarto de século, que ela não precisava mendigar o amor de ninguém. Ela cansou.

Cansou de esperar até o dia seguinte, depois de incansáveis perguntas sem respostas. Ela cansou de perguntar o que havia de errado. Cansou de pesquisar novos temperos na esperança de agradá-lo. Cansou de adaptar-se a novas músicas e decorá-las, com a finalidade de impressioná-lo.

Ela não gosta de rock, sinceramente ela odeia aquele cara gritando aquelas coisas que ela não entende e nem acredita. Ela nunca gostou de champanhe, prefere mil vezes uma caipira azeda – daquelas que trazem caretas de “cão chupando manga” – do que passar aquelas tardes a beira da piscina com as namoradas dos seus amigos. Tão fúteis.

Ela nunca quis fazer aquele curso de inglês, mas depois de você, ela ouvia falar muito que “pra crescer na vida a gente tem que ter inglês”, então resolveu fazer um “intensivão”, na esperança de crescer na sua vida. Pelo menos hoje ela fala algumas míseras 3 línguas.

Ela não gostava daquelas jantas, as quais deveriam comparecer em todas as semanas, onde o assunto era somente a vida alheia, que ela respondia com sorrisos amarelos e com “pois é”. Ela nunca gostou disso.

Sem contar da sua mãe, aquela vaca disfarçada de sogra, que só faltava dormir no meio de vocês quando lhe dessem alguma oportunidade. Que castigo que ela se livrou!

Ela cansou de esperar por você, enquanto tentava ser quem você queria que ela fosse, sem notar que a cada dia se distanciava mais de quem ela era.

Definitivamente, ela cansou de vê-lo ir, vê-lo chegar e nunca vê-lo ficar. Cansou de esperar até que você decida se vai ou não procurar algum coração no próprio corpo, nesse corpo sem futuro – e tão másculo– assim.

Ela cansou de você. Ela não te quer mais.

Chega, ela não tem mais tempo pra esperar por alguém que não vale – o que come – um minuto do tempo perdido.

Então ela jogou fora. Caixas, lembranças, orgulho, vergonha. Nesse dia ela deixou de lhe querer, meu amigo.

Hoje ela não vai mais embora pensando no que poderia ter feito, não quer esperar o dia seguinte, muito menos alguém. A gente nem sabe se chega ao final do dia. Ela é que não vai arriscar acertar.

Ela cansou de esperar por quem não sai do lugar, cansou de ter calma. De guardar vontades naquelas caixinhas escondidas atrás do armário. De engolir palavras que deveriam ter sido ditas há muito tempo – pintadas em placas de motel com verde fosforescente – como aquele te amo, disfarçado de “te curto”.

Hoje, ela quer alguém pra pegar na mão, levar pra qualquer lugar não convencional.

Quer levar pra jantar e depois pra sentar naquele sofá marcado em um canto só, devido aquela solidão dos últimos tempos. Quer cozinhar qualquer comida com temperos em excesso, pra ter com quem comentar que aquela gororóba não dá nem pra comer (tipo aquela tia feia que ninguém comeria, mesmo se fosse a última mulher do mundo), nem pensar.

Quer alguém pra chamar pra sair, pra ir ao cinema, pra caminhar na rua sem destino, passar a madrugada acordada com alguém jogando conversa fora, sem ser interpretada como atirada ou “mais macho que muito homem”, mesmo que seja. Ela só quer poder tomar aquela atitude que ela tem guardada já faz algum tempo, sem ter que seguir pela risca do que todo mundo espera dela.

Afinal, é claro que ela quer encontrar outro alguém, mas, por favor não espalha.

Porque todo mundo sabe que é uma grande mentira esse papo de que todo mundo sabe se virar sozinho.

No final das contas, todo mundo quer alguém pra passar aquelas longas madrugadas chatas sem dormir, devido aquela vontade insana de viver o hoje, sem ter que esperar pra amanhã.

domingo, 7 de setembro de 2014

Pra que lembrar?

Depois de tanto tempo que havia se passado, depois de tantos dias que pareciam não ter fim e diante de tantas lágrimas que poderiam salvar o sertão da seca, ela já nem lembrava mais dos traços do rosto dele. 

Havia esquecido os detalhes, aqueles detalhes que disse que jamais iria deixar apagar da memória, do toque, da maneira como cruzava as pernas, de como coçava a cabeça quando estava nervoso, havia esquecido o modo como ele a olhava e o modo como mexia nos cabelos, como sorria com o canto da boca.


Ela havia esquecido de tanta coisa que disse que jamais esqueceria, havia prometido coisas que não cumpriu, havia dito que seria pra sempre e que o esperaria o tempo que fosse. 

Quando recordava dos momentos que passaram juntos ela sentia saudade, não lembrava ao certo quantas vezes, que dias, e muito menos o dia em que se conheceram, ela não sabia como foi, nem fazia questão de lembrar, ela só sabia que estava ali aquele tempo todo, e era isso que importava.


Não lembrava como foi da última vez, e isso não a fazia sentir mal, certamente ele não lembraria sequer quem era ela daqui há algum tempo. Então, que mal faria?

Como que ela esqueceu? Ontem mesmo ela disse que era louca por ele e hoje sequer lembra dos traços do seu rosto e do brilho dos seus olhos. Mas pra que lembrar?

Afinal, ninguém precisa lembrar do que nunca, nem por um minuto esqueceu.